segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A toa

"Embora estejam transportando você, se procupem com você e de vez em quando até o embalem tanto que, parece, não há mais o que desejar, apesar de tudo uma angústia o invade, e esta angústia procede justamente do fato de que você mesmo não faz nada, porque cuidam demais de você, e você tem que ficar sentado, esperando que o levem ao destino." Dostoiévski, Notas de inverno sobre impressões de verão.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

RESENHA DO CAPÍTULO “A QUESTÃO MULTICULTURAL”

RESENHA DO CAPÍTULO “A QUESTÃO MULTICULTURAL”
IN: DA DIÁSPORA-IDENTIDADES E MEDIAÇÕES CULTURAIS DE STUART HALL
Marina Borges A. de Souza

Stuart Hall nasceu na Jamaica em 1932, trabalhou na Inglaterra, atualmente está aposentado, porém continua publicando sobre temas da contemporaneidade.
O texto a ser analisado apresenta questões e debate sobre o que serio o termo “multicultural” e seus multiculturalismos. O autor afirma que apesar de este termo ser usado no mundo inteiro não significa que seu significado seja claro, porém não usa-lo não está em questão pela falta de conceitos menos abrangentes e mais explicativos.

A discussão parte da apreensão do que significaria o termo “multicultural” e o que significaria o termo “multiculturalismo”. Segundo o autor multicultural é uma sociedade na qual em seu interior convivem comunidades culturais distintas, e os problemas governacionais que, por esta convivência aparecem. Ou seja, o termo multicultural significa que certa sociedade é culturalmente heterogênea, o que vai totalmente de encontro com o denominado Estado-nação “moderno”, que se pretende homogêneo, apresar de sabermos que em países “construídos” como Israel isso nunca poderá ser uma verdade.

Multiculturalismo seria as estratégias utilizadas pelo Estado para solucionar os problemas gerados pela existência de grupos sociais distintos dentro de uma nação. Porém quando utilizamos o plural da palavra estratégia devemos entender que, por o multiculturalismo não ser uma única doutrina e como sua solução ainda não foi encontrada, diversos tipos de ação poder ser feitos, sem que nenhuma chegue a um final satisfatório. Como dito anteriormente uma sociedade multicultural contém dentro de si diversos problemas, portanto possui também diversos multiculturalismos para resolvê-los. O autor cita seis tipos de multiculturalismo:
Conservador – que acredita que a minoria deve assimilar a cultura da maioria;
Liberal – acredita na inclusão da minoria na cultura da maioria, porém tolera práticas de sua cultura dentro do domínio privado;
Pluralista – concede direitos individuais a cada grupo distinto existente, avaliando a cultura de cada um;
Comercial – acredita que se todos conhecerem as diferenças culturais dos grupos minoritários, os problemas seriam resolvidos no âmbito privado e o Estado não precisaria intervir;
Corporativo – busca o meio-termo através da administração das diferenças das minorias;
Crítico – direciona as atenções do Estado ao poder e a hierarquização das opressões e aos movimentos de resistência.

O multiculturalismo por não ser uma doutrina fechada, gera discussões desde os setores mais conservadores aos mais liberais, exaltando ânimos de Estados e de populações. Mas o que foi que causou todas essas migrações pelo mundo? Sabemos que a migração sempre fez parte do ser vivo, e a razão mais simples é a de busca de alimentos. Os impérios são todos em si multiculturais devido às ondas de conquistas, o que nos faz perguntar por que os EUA insistem em manter suas fronteiras fechadas, não são eles o império do século?
Stuart Hall resume muito bem as razões pelas migrações:
“As pessoas têm se mudado por várias razões – desastres naturais, alterações ecológicas e climáticas, guerras, conquistas, exploração do trabalho, colonização, escravidão, semi-escravidão, repressão política, guerra civil e subdesenvolvimento econômico.”[1]

Após a II Guerra Mundial se intensificou a migração pela destruição de cidades inteiras, pelo fim do velho sistema imperial, etc. Com isso, como já dito anteriormente, o surgimento de novos Estado-Nação “construídos”, faz com que estes próprios encontrem problemas de identidade, nesse contexto de construção de nações, também o conceito de Nação foi esvaziado.

No Oriente Médio existe uma desigualdade estrutural e ainda além, foi também dominado por países do 1º mundo que insistem em encaixar seus modelos pré-fabricados em uma realidade completamente diferente da sua. Problemas de dependência e subdesenvolvimento gerados no colonialismo não foram superados após o término do mesmo.

Já a globalização como se constitui atualmente – associada ao surgimento de novos mercados financeiros – também contribui para o fator multicultural. Ela pretende combinar tempo, espaços e histórias em um tempo global, não percebendo que com isso as relações sociais são minimizadas e as tradições deixadas para trás. Para Stuart Hall a globalização é um processo que se pretende homogeneizante, mas não o é.

Apesar de tudo parecer semelhante aos olhos do Estado, ainda existem as diferenças locais, afinal cada região/comunidade/sociedade vivencia a realidade sob suas próprias perspectivas. O que constitui um novo tipo de localismo segundo o autor, que surge dentro do contexto global. Ele emerge no centro da metrópole ocidental, são “as margens no centro”.

Para explicar esse novo surgimento Stuart Hall aborda o caso britânico que, apresar de sua história nacional pressupor que a cultura da Grã-Bretanha fosse homogênea e unificada até as migrações do pós-guerra, isso é questionável tanto pelos escoceses quanto pelos irlandeses que foram “colonizados” pela Inglaterra, eles são chamados de ingleses, mas um tipo “diferente” de inglês.

Desde o século XVI existe uma migração afro-caribenha para a Inglaterra, e uma migração asiática desde o século XVIII, justamente essas antigas relações de colonização é que iriam marcar o rumo desses imigrantes. Eles não eram bem recebidos, não eram bem quistos, viviam em condições precárias de moradia, tinham péssimos empregos e sofriam todo tipo de preconceitos e racismos. Isso com que pequenos grupos étnicos fossem se formando e se estabelecendo em bairros de Londres. As chamadas comunidades étnicas têm forte senso de identidade e mantém certos costumes e práticas dentro do âmbito familiar.

Como se sentem essas pessoas em relação a isso, inglesas ou do país de origem? Os dois, afirma Stuart Hall, estas são comunidades híbridas.
“Cerca de dois terços dos oriundos de comunidades minoritárias, quando perguntados no Quarto Censo Nacional de Minorias Étnicas se eles se consideravam ‘britânicos’, responderam que sim, embora também sentissem, por exemplo, que ser britânico e paquistanês não era algo conflituoso em suas mentes.”[2]
É assim formada uma nova configuração cultural que não é bem definida e não se pretende ser.

A Inglaterra se pretendia homogênea, e com o surgimento dessas comunidades étnicas entrou em uma crise de identidade nacional. Começaram então a criar significados de termos para designarem as suas duas maiores comunidades não brancas: utilizam o termo raça para os afro-caribenhos, e etnia para os asiáticos. Raça se usa relacionado á cor da pele, e etnia se usa relacionada a características culturais, registros explícitos de racismo.

Stuart Hall aponta para uma incoerência do Estadi denominado liberal. Como o Estado liberal é neutro, deveria garantir a liberdade do indivíduo em buscar suas próprias concepções de vida não importa qual forem dentro do domínio privado. Porém a lei e o Estado intervêm cada vez mais no domínio privado, não existem mais claras distinções entre o público e o privado. Por isso na prática alguns Estados como a Inglaterra são obrigados a adotar o chamado “programa reformista da ‘social democracia’” no qual “o Estado reconhece formal e publicamente as necessidades sociais diferenciadas, bem como a crescente diversidade cultural de seus cidadãos, admitindo certos direitos grupais e outros definidos pelo indivíduo.”[3]

As dificuldades encontradas pela Inglaterra no âmbito da identidade social e em relação aos racismos estão longe de serem ultrapassadas. Ao mesmo tempo em que se pensa que todos devem ter acesso aos mesmo processos que o indivíduo britânico, se revive uma era de preconceitos, racismo e xenofobismos, afirmando que Inglaterra está “poluída”. A Inglaterra deve se repensar em relação ao multiculturalismo e também em relação ao neo-liberalismo, será que esta política é a que melhor se encaixa em sua realidade?





[1] HALL, Stuart – A questão multicultural in: Da diáspora-Identidades e mediações culturais, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2008, p. 53.
[2] Idem, p.72
[3] Ibidem, p.77

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

PATRIMÔNIO E FOLCLORE NA CIDADE DE SÃO PAULO

PATRIMÔNIO E FOLCLORE NA CIDADE DE SÃO PAULOUMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA
Marina Borges A. de Souza

A discussão acerca do tema Patrimônio em São Paulo e no Brasil surgiu em uma época de efervescência intelectual em São Paulo, a década de 1930. Época em que foi criado o Departamento de Cultura do Município de São Paulo, fruto da cidade e sua “gente”: uma elite cultural, política e econômica que atualmente denominamos modernistas. Para eles a cidade deveria ser o pólo irradiador da “civilização” brasileira.
Já é sabido que na década de 20 do século XX a economia cafeeira entrou em declínio e em posterior crise, os Estados de São Paulo e Minas Gerais estavam dominando intelectualmente e economicamente todo o Brasil com a política café-com-leite, e com a queda da economia a política também entrou em crise. A solução pensada por estes intelectuais acerca da crise seria que esta elite deveria conduzir o Brasil moderno através das questões culturais, como por exemplo, a modernização do e pelo sistema de ensino. É deste pensamento que é criada a Universidade de São Paulo em 1934, universidade pela qual os dirigentes do país deveriam ser formados.
O governador do Estado de São Paulo era Armando Sales de Oliveira, o chefe de gabinete do futuro departamento de cultura foi Paulo Duarte e o prefeito da cidade a partir de 1935 foi Fabio Prado, que tinha como lema “Conhecer para governar”, com influência do Partido Democrático. Foram dessas cabeças que surgiu a idéia de criação de um Departamento de cultura, e seu anteprojeto foi escrito por Mário de Andrade e Paulo Duarte que posteriormente foi criticado, adaptado e por fim aprovado por Armando Sales. Como Mário de Andrade fora o idealizador do projeto ele foi escolhido para a direção da Divisão de expansão cultural do Departamento.
Como o departamento queria, portanto, “reconhecer” / construir a cultura brasileira partindo de São Paulo, Mário de Andrade saiu pelo Brasil para registrar essas manifestações culturais (falas, histórias, lendas, danças, comidas, vestimentas, costumes, etc.), aproximando-se muito daquilo que os folcloristas fazem. Com influência francesa Mário de Andrade percebeu a necessidade de demarcar aquilo que fazia parte dessa cultura material: prédios pertencentes a aristocracia da época, esculturas, monumentos históricos, etc. A partir disso iniciou-se a discussão sobe patrimônio histórico e artística brasileiro, e desta resultou a criação do SPHAN, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico, em 1937. “Defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização”, fala de Paulo Duarte[1].
Este projeto tinha como política a construção do nacionalismo, assim como em todos os outros países o patrimônio é ligado à construção da Nação.[2] Era o início da delimitação dos espaços que cada indivíduo poderia ocupar dentro da cidade. Era a legitimação da memória coletiva imposta pelas classes mais altas para as mais baixas, um detalhe do jogo político. Segundo Jaques Le Goff:
“(...) Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas.”[3]
O Patrimônio deveria ter a capacidade de representar a nação no material a partir de valores atribuídos previamente, devia-se inventariar, identificar, registrar e conservar os exemplares mais representativos da história do país, sabendo que as representações culturais são muito mais amplas do que os limites impostos pelo patrimônio histórico e artístico. É a cristalização dos elementos na construção da identidade nacional, apesar de a grande maioria da população ter continuado sem reconhecer esses símbolos e ainda mais, sem se reconhecer nesses símbolos, mais uma vez sua memória foi expropriada. O Patrimônio é uma construção para toda a população, mas como atingir toda ela? Apesar de que em uma primeira instancia não pretendiam investigar o patrimônio, nem conhecer sua diversidade, somente queriam buscar elementos materiais que correspondessem àquilo que já conheciam, acredito que seja esse o desafio do atual IPHAN, alcançar mais profundamente os “feitores” da cultura, e não somente expropriar desses suas práticas e colocar-las em um museu estático. O que é um objeto isolado de seu contexto senão apenas um fragmento daquilo que significou para a sociedade da qual se originou? O patrimônio histórico se constituiu na contramão do processo de urbanização, ele impede a demolição de certas construções em pró da chamada memória nacional. Carlos A C. Lemos nos dá o exemplo de patrimônio que vem sendo o mais comum no Brasil:
“Ali na casa parada estava milagrosamente guardado um segmento de nosso Patrimônio Cultural ostentando os objetos típicos de uma família de classe média alta, mostrando os quadros preferidos pela burguesia do tempo, os móveis comprados para a inauguração do sobrado neoclássico e os outros herdados, as louças e porcelanas, o piano de causa(...)”[4]
É somente em dias atuais, final do século XX e início do século XXI é que se vem discutindo sobre a patrimonialização de artefatos do povo, tanto em cultural material quanto em imaterial, como por exemplo, o frevo, o futebol, o samba, as canções de ninar, etc. Antes disso o patrimônio era construído por uma elite para uma elite, por este motivo a maioria dos nossos patrimônios são de ordem material e não representam uma forma de cultura que atinja às classes populares, o patrimônio se tornava assim inteligível para àqueles os quais deveria ser destinado.
O atual conceito de patrimônio material segundo o IPHAN é:
“O patrimônio material protegido pelo Iphan, com base em legislações específicas é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e móveis como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.”[5]

Conceito de patrimônio imaterial é:
“A Unesco define como Patrimônio Cultural Imaterial ‘as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.’ O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.”[6]

Uma palavra que se vincula ao sentido de patrimônio é preservar. Carlos Lemos assim explica:
“Assim, preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivos, mesmo que alterados, usos e costumes populares. È fazer levantamentos de construções, especialmente aquelas solidamente condenadas ao desaparecimento decorrente da especulação imobiliária.”[7]
Esta afirmação é a mais próxima ao conceito de preservação patrimonial atual. Carlos Lemos também acredita que as cidades são vivas, que estão em processo de transformação continuo, e por isso se deve preservar certas construções. O que não percebe creio, é que desta forma também afirma que preservar é sacralizar o objeto a ser preservado. Utilizando o exemplo da cidade, tornando-a histórica, ela perde sua historicidade, perde seu campo de ação e de mudança dentro de seu contexto. Assim como agem os folcloristas, segundo discussão de Florestan Fernandes, porém sobre este assunto tratarei na segunda parte do trabalho. Que em breve será publicada.

[1] NOGUEIRA, Antonio Gilberto R. – Por um inventário dos sentidos: Mario de Andrade e a concepção de Patrimônio e inventário – São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2005, p. 215
[2] CHOAY, Françoise – A alegoria do patrimônio – São Paulo: Editora UNESP, 2001
[3] in: NOGUEIRA, idem p.222
[4] in: LEMOS, Carlos A C. – O que é patrimônio histórico – São Paulo: Brasiliense, 2004, p.18
[5] http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaInicial.do
[6] idem
[7] Idem, p. 29

BIBLIOGRAFIA:
Ø LEMOS, Carlos A C. – O que é patrimônio histórico – São Paulo: Brasiliense, 2004.
Ø CHOAY, Françoise – A alegoria do patrimônio – São Paulo, Editora UNESP, 2001.
Ø NOGUEIRA, Antonio Gilberto Ramos – Por um inventário dos sentidos: Mário de Andrade e a concepção de patrimônio e inventário – São Paulo, Hucitec, 2005.