PATRIMÔNIO E FOLCLORE NA CIDADE DE SÃO PAULOUMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA
Marina Borges A. de Souza
A discussão acerca do tema Patrimônio em São Paulo e no Brasil surgiu em uma época de efervescência intelectual em São Paulo, a década de 1930. Época em que foi criado o Departamento de Cultura do Município de São Paulo, fruto da cidade e sua “gente”: uma elite cultural, política e econômica que atualmente denominamos modernistas. Para eles a cidade deveria ser o pólo irradiador da “civilização” brasileira.
Já é sabido que na década de 20 do século XX a economia cafeeira entrou em declínio e em posterior crise, os Estados de São Paulo e Minas Gerais estavam dominando intelectualmente e economicamente todo o Brasil com a política café-com-leite, e com a queda da economia a política também entrou em crise. A solução pensada por estes intelectuais acerca da crise seria que esta elite deveria conduzir o Brasil moderno através das questões culturais, como por exemplo, a modernização do e pelo sistema de ensino. É deste pensamento que é criada a Universidade de São Paulo em 1934, universidade pela qual os dirigentes do país deveriam ser formados.
O governador do Estado de São Paulo era Armando Sales de Oliveira, o chefe de gabinete do futuro departamento de cultura foi Paulo Duarte e o prefeito da cidade a partir de 1935 foi Fabio Prado, que tinha como lema “Conhecer para governar”, com influência do Partido Democrático. Foram dessas cabeças que surgiu a idéia de criação de um Departamento de cultura, e seu anteprojeto foi escrito por Mário de Andrade e Paulo Duarte que posteriormente foi criticado, adaptado e por fim aprovado por Armando Sales. Como Mário de Andrade fora o idealizador do projeto ele foi escolhido para a direção da Divisão de expansão cultural do Departamento.
Como o departamento queria, portanto, “reconhecer” / construir a cultura brasileira partindo de São Paulo, Mário de Andrade saiu pelo Brasil para registrar essas manifestações culturais (falas, histórias, lendas, danças, comidas, vestimentas, costumes, etc.), aproximando-se muito daquilo que os folcloristas fazem. Com influência francesa Mário de Andrade percebeu a necessidade de demarcar aquilo que fazia parte dessa cultura material: prédios pertencentes a aristocracia da época, esculturas, monumentos históricos, etc. A partir disso iniciou-se a discussão sobe patrimônio histórico e artística brasileiro, e desta resultou a criação do SPHAN, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico, em 1937. “Defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização”, fala de Paulo Duarte[1].
Este projeto tinha como política a construção do nacionalismo, assim como em todos os outros países o patrimônio é ligado à construção da Nação.[2] Era o início da delimitação dos espaços que cada indivíduo poderia ocupar dentro da cidade. Era a legitimação da memória coletiva imposta pelas classes mais altas para as mais baixas, um detalhe do jogo político. Segundo Jaques Le Goff:
“(...) Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas.”[3]
O Patrimônio deveria ter a capacidade de representar a nação no material a partir de valores atribuídos previamente, devia-se inventariar, identificar, registrar e conservar os exemplares mais representativos da história do país, sabendo que as representações culturais são muito mais amplas do que os limites impostos pelo patrimônio histórico e artístico. É a cristalização dos elementos na construção da identidade nacional, apesar de a grande maioria da população ter continuado sem reconhecer esses símbolos e ainda mais, sem se reconhecer nesses símbolos, mais uma vez sua memória foi expropriada. O Patrimônio é uma construção para toda a população, mas como atingir toda ela? Apesar de que em uma primeira instancia não pretendiam investigar o patrimônio, nem conhecer sua diversidade, somente queriam buscar elementos materiais que correspondessem àquilo que já conheciam, acredito que seja esse o desafio do atual IPHAN, alcançar mais profundamente os “feitores” da cultura, e não somente expropriar desses suas práticas e colocar-las em um museu estático. O que é um objeto isolado de seu contexto senão apenas um fragmento daquilo que significou para a sociedade da qual se originou? O patrimônio histórico se constituiu na contramão do processo de urbanização, ele impede a demolição de certas construções em pró da chamada memória nacional. Carlos A C. Lemos nos dá o exemplo de patrimônio que vem sendo o mais comum no Brasil:
“Ali na casa parada estava milagrosamente guardado um segmento de nosso Patrimônio Cultural ostentando os objetos típicos de uma família de classe média alta, mostrando os quadros preferidos pela burguesia do tempo, os móveis comprados para a inauguração do sobrado neoclássico e os outros herdados, as louças e porcelanas, o piano de causa(...)”[4]
É somente em dias atuais, final do século XX e início do século XXI é que se vem discutindo sobre a patrimonialização de artefatos do povo, tanto em cultural material quanto em imaterial, como por exemplo, o frevo, o futebol, o samba, as canções de ninar, etc. Antes disso o patrimônio era construído por uma elite para uma elite, por este motivo a maioria dos nossos patrimônios são de ordem material e não representam uma forma de cultura que atinja às classes populares, o patrimônio se tornava assim inteligível para àqueles os quais deveria ser destinado.
O atual conceito de patrimônio material segundo o IPHAN é:
“O patrimônio material protegido pelo Iphan, com base em legislações específicas é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e móveis como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.”[5]
Conceito de patrimônio imaterial é:
“A Unesco define como Patrimônio Cultural Imaterial ‘as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.’ O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.”[6]
Uma palavra que se vincula ao sentido de patrimônio é preservar. Carlos Lemos assim explica:
“Assim, preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivos, mesmo que alterados, usos e costumes populares. È fazer levantamentos de construções, especialmente aquelas solidamente condenadas ao desaparecimento decorrente da especulação imobiliária.”[7]
Esta afirmação é a mais próxima ao conceito de preservação patrimonial atual. Carlos Lemos também acredita que as cidades são vivas, que estão em processo de transformação continuo, e por isso se deve preservar certas construções. O que não percebe creio, é que desta forma também afirma que preservar é sacralizar o objeto a ser preservado. Utilizando o exemplo da cidade, tornando-a histórica, ela perde sua historicidade, perde seu campo de ação e de mudança dentro de seu contexto. Assim como agem os folcloristas, segundo discussão de Florestan Fernandes, porém sobre este assunto tratarei na segunda parte do trabalho. Que em breve será publicada.
[1] NOGUEIRA, Antonio Gilberto R. – Por um inventário dos sentidos: Mario de Andrade e a concepção de Patrimônio e inventário – São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2005, p. 215
[2] CHOAY, Françoise – A alegoria do patrimônio – São Paulo: Editora UNESP, 2001
[3] in: NOGUEIRA, idem p.222
[4] in: LEMOS, Carlos A C. – O que é patrimônio histórico – São Paulo: Brasiliense, 2004, p.18
[5] http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaInicial.do
[6] idem
[7] Idem, p. 29
BIBLIOGRAFIA:
Ø LEMOS, Carlos A C. – O que é patrimônio histórico – São Paulo: Brasiliense, 2004.
Ø CHOAY, Françoise – A alegoria do patrimônio – São Paulo, Editora UNESP, 2001.
Ø NOGUEIRA, Antonio Gilberto Ramos – Por um inventário dos sentidos: Mário de Andrade e a concepção de patrimônio e inventário – São Paulo, Hucitec, 2005.
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3 comentários:
Eles não copiam parágrafo...por isso ficou muito junto! desculpem!
Realmente a história desses acontecimentos em São Paulo são loucuras né...
pensar que desde a época do Mario de Andrade, modernismo a solta e tudo.
Só acho que as pessoas, tipo eu assim, deveria visitar mais esses patrimônios !!!
Quem sabe né...
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